terça-feira, 27 de abril de 2010

Porque Sou Batista Regular

Por Andrew Comings

Introdução

A piada é velha. "Ah, você é Batista Regular? Então não é bom, nem ruim, é apenas regular.

A felicidade ou infelicidade da escolha deste nome para o nosso movimento aqui no Brasil é debate para outra hora. Acho, porém, que precisamos urgentemente de homens que se levantem para defender os princípios bíblicos que vêm junto com o título "Batista Regular".

Enquanto existem teólogos e historiadores de muito mais peso em nosso movimento, pela minha criação creio que tenho uma perspectiva singular sobre o assunto. Nasci e fui criado no interior do estado de Nova Iorque, berço do movimento batista regular. Meu pai é pastor batista regular e participante por quase quarenta anos na Empire State Fellowship, uma das associações estaduais mais fortes no movimento naquele país. Cresci no meio desta associação, sempre em contato com grandes pastores, verdadeiros guerreiros na luta contra liberalismo.

Quando eu era adolescente, meu pai aceitou o desafio de escrever a história da Empire State Fellowship. Durante os meses em que ele escrevia o que hoje é um livro com o título "Remaining True" (Permanecendo Fiel) a mesa da nossa sala de jantar estava coberta de documentos, cartas, atas e outros manuscritos dos fundadores do nosso movimento. Eu lia tudo com grande interesse.

No dia 17 de julho de 1994 (o dia em que Brasil virou tetra-campeão na copa) cheguei no Ceará. Passei dois anos estudando no Seminário Batista do Cariri. Fiz a matéria "História dos Batistas" aos pés do adminrável Pr. Jaime Augusto. Tambem tive contato com os missionários fundadores do movimento--tais como Pr. Tomé Willson, Pr. Haroldo Reiner e Pr. Pedro Brooks.

Um dos eventos mais marcantes para mim deste período foi o jubileu do SBC. Pude observar naquela occasião a continuidade e os frutos do movimento que começou no interior de Nova Iorque na década de 30.

Atualmente tenho o grande privilégio de servir no corpo docente do SBC. Levo muito a sério a minha responsabilidade de treinar os futuros pastores e líderes Batistas Regulares do Brasil.

Qualquer movimento morre ao perder seus princípios básicos. Não quero que isto aconteça com o movimento Batista Regular. Porém observo que muitos que se chamam de Batistas Regulares não tem noção destes princípios. Por isso, quero apresentar três razões porque eu, um duplo herdeiro deste grande movimento, continuo sendo Batista Regular.

1. Porque a Doutrina é Chave

Quem defende a sã doutrina participa de uma herança rica. Paulo, Agostinho, Lutero, Calvino, Knox, Spurgeon,todos possuiram o mesmo zelo pela pureza doutrinária. E os fundadores do movimento batista regular, tanto nos EUA quanto no Brasil, eram feitos do mesmo material.

É importante lembrar que o movimento batista regular faz parte de um movimento maior chamado "fundamentalismo", e nos princípios houve muita comunicação e comunhão entre homens fundamentalistas de denominações diferentes diante de um inimigo comum: o liberalismo teológico. Mesmo que tivessem grandes diferenças de opinião em alguns pontos de teologia e prática, estavam de acordo nas pedras fundamentais da nossa fé, tais como a inspiração das sagradas escrituras e a divindade de Cristo. Em 1909 um grupo destes homens (entre eles anglicanos, luteranos, presbiterianos, e até batistas) publicaram uma série de artigos, colecionados em doze volumes, com o nome "Os Fundamentos: Um Testemunho à Verdade". (1) Do título desta obra surgiu o nome "fundamentalismo". Portanto, é importante notar que desde seu início o fundamentalismo tem a ver com doutrinas e não preferências.

Com esse pano de fundo histórico nasceu o movimento batista regular em 1932. O motivo de sua separação da Convenção Batista Americana era doutrinário. O liberalismo teológico tinha entrado naquela organização e homens de fé não tiveram escolha a não ser sair do meio dela. Todos os batistas daquela época mantiveram a mesma prática batista, só os "regulares" defenderam a doutrina correta.

Um dos desafios que nosso movimento enfrenta hoje tem a ver justamente com esta questão de doutrina e prática. Num propósito de nos diferenciar de outros grupos evangélicos, acabamos enfatizando o ensino das práticas e tradições das nossas igrejas em vez dos fundamentos doutrinários da nossa fé. O resultado triste é que muitos jovens com quem converso dizem com facilidade quais os instrumentos que não se pode usar no culto de uma igreja batista regular, mas não conseguem definir a palavra "graça", muito menos defender a inspiração verbal e plenária das Sagradas Escrituras.

Notem bem: os ataques contra a igreja sempre foram e continuam sendo doutrinários. Liberalismo, alto criticismo, neo-ortodoxia, modernismo, pós-modernidade, a renovação carismática, a igreja emergente, todos têm uma coisa com comum: aberração doutrinária.

Sou Batista Regular porque nossa ênfase histórica na sã doutrina tem capacitada as nossas igrejas e seus membros a se manterem firmes através das tempestades teológicas que assolaram as últimas décadas.

Quero voltar a falar rapidamente daquele jovem que conhece bem as práticas, mas não as doutrinas. Quando ele for para a universidade, diante daquele professor determinado a destruir a sua fé, o fato de não haver bateria no culto da igreja dele não vai valer absolutamente nada. Vamos continuar a ensinar a base bíblica das nossas práticas? Sim! Mas vamos voltar à tradição mais nobre dos Batistas Regulares: a de defender os alicerces da nossa fé.

2. Porque Sou Mais Robert T. Ketcham e Menos J. Frank Norris

Não se pode estudar a história dos batistas regulares sem encontrar várias vezes o nome Robert T. Ketcham. Um dos fundadores de peso do movimento nos EUA, ele dedicou sua vida e sacrificou muito pela causa da sã doutrina. Homem humilde, porém grande conhecedor e expositor das Sagradas Escrituras, sua influência extendeu até ao Brasil. Lembro-me muito bem de ouvir o Pr. Tomé Willson contar sobre conversas teológicas que ele teve com este grande homem.

No mesmo período existia um homem chamado J. Frank Norris. Pastor de duas "mega-igrejas", ele se considerava o lider do movimento fundamentalista e viu no Ketcham um grande rival. Durante anos ele manteve uma campanha de difamação contra o Ketcham através de publicações, cartas, e até telegramas pessoais que Ketcham recebia minutos antes de pregar(2) . O alvo de Norris e seus aliados era simples: controle do movimento batista regular. Ele esteve irado como o fato de que Ketcham se opôs a sua entrada à associação dos batistas regulares dos EUA. Mas Ketcham entendia muito bem que o nosso movimento é um movimento de igrejas e não de homens.

A história do fundamentalismo está repleto de exemplos de homens do tipo Norris. As controvérsias variam, mas o alvo é sempre o mesmo: controle. Um dos métodos preferidos de homens deste tipo tem sido pegar uma determinada prática ou preferência (música, versões, etc.) e re-definir o fundamentalismo nestes termos. Logo estas práticas preferenciais viram motivo da separação.

Usou determinado instrumento no culto? É separação. Pregou com outra versão da Bíblia? É separação. Foi para uma apresentação de algum grupo evangélico? Haja separação!

O resultado é que muito tempo, energia e recursos são gastos tentando provar que se é mais conservador do que o próximo. E não adianta. Por mais "conservador" que alguem fique, os "fariseus" (para usar um termo bíblico) continuam a inventar novas regras e proibições. Assim eles mantêm controle.

De forma geral o movimento batista regular, tanto no Brasil quanto nos EUA, não tem caido nos laços de indivíduos deste tipo. Muitos homens do estilo Norris têm saido frustrados do nosso grupo. Geralmente escrevem livros ou apostilas condenando o "liberalismo" do movimento, e formam suas próprias associações. Estas associações acabam morrendo, porque têm como princípio maior a separação, em vez da sã doutrina.

Que o nosso movimento esteja sempre atento e evite ser controlado pelos J. Frank Norris da nossa época.

3. Porque Creio que A Igreja é o Exército dos Santos e Não o Esconderijo dos Crentes

Sempre fui fascinado pela declaração do nosso Senhor Jesus Cristo ao seu discípulo Pedro, quanto a sua igreja: "...sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do hades não prevalecerão contra ela."(Mat. 16:18) Esta frase visa a igreja como um organismo agressivo, ao ataque, procurando romper as próprias portas do inferno. Creio que outras passagens (Efésios 6:10-20, Mateus 28:16-20 entre outras) confirmam esta visão agressiva da Igreja.

Cristo nos deixou no mundo, não porque esqueceu de nós, mas porque quer que o mundo seja influenciado por nós. Muitas vezes esquecemos deste fato, e em vez de um exército triunfante, a igreja vira um abrigo onde os crentes se escondem e esperam ansiosamente o arrebatamento. Raramente vemos a ousadia de um Lutero, a determinação de um Wilberforce, ou a coragem de um Jim Eliot. Em vez de entrar no mundo a fim de proclamar a Cristo, procuramos viver em “guetos evangélicos”.

O movimento batista regular tem suas raízes no movimento missionário. A missão que sirvo atualmente foi fundada por fundamentalistas com um espírito missionário inabalável. Viram que as outras missões batistas perderam seu espírito pioneiro, ou pior, estavam "jogando para o outro time". Os primeiros missionários ao Brasil sofreram perseguição, privações e perigos. Foram agressivos e persistentes. Sacrificaram tudo, até sua saude e suas famílias, pelo evangelho.

Sou Batista Regular porque o movimento batista regular é um movimento missionário. Hoje em dia as trevas ao nosso redor estão aumentando. Está na hora da nossa luz brilhar cada vez mais. Para fazer isto, temos que enfrentar o mundo, não nos esconder dele.

Sinto que estamos muito em falta com os nossos antepassados. Corremos o risco de perder aquele espírito pioneiro que caracterizava os nossos pais. As universidades, a mídia (incluindo as artes) e pessoas carentes (deficientes físicos, crianças de rua, etc.) são três áreas onde vejo muita necessidade e pouco investimento. Gastamos tempo, energia, e recursos debatendo assuntos secundários, enquanto perdemos o verdadeiro sentido de que é ser Batista Regular—isto é, ser missionário audaz e corajoso.

Conclusão

No dia 6 de outubro de 1942 um grupo de pastores e leigos batistas se reuniram em Ithaca, NY (cidade onde eu nasci 30 anos depois, no mesmo mês). Dez anos antes desta reunião, a Associação Geral de Batistas Regulares (GARBC) tinha sido fundada. O propósito destes homens era formar uma associação estadual dos Batistas Regulares de Nova Iorque. Assinaram uma resolução que diz, em parte:

“…que [esta associação] irá lutar, sem vacilar, pelos grandes Fundamentos do cristianismo histórico. Que esta associação irá proteger e promover a independência das igrejas locais, e a separação entre igreja e estado. E que sempre irá procurar espalhar o Evangelho aos confins da terra, ao mesmo tempo edificando os crentes na mais sagrada fé, e assim honrar nosso Senhor Jesus Cristo como o cabeça da Igreja e Senhor da ceifa."(3)
Assim que aqueles homens entenderem significar o nome “Batista Regular”.

Tabernacle Baptist Church, em Ithaca, NY, onde foi fundada a Empire State Fellowship

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Para contrariar aquela piada velha citada na introdução deste artigo, sou Batista Regular, e isso é muito bom. E continuarei sendo Batista Regular enquanto isso significa paixão pela sã doutrina, preeminência de igrejas locais em vez de homens individuais, e um espírito missionário audaz.


(1) Uma versão digital desta obra pode ser acessado no seguinte site: http://www.xmission.com/~fidelis/volume1/volume1.php

(2) Para ler mais detalhes sobre o conflito entre Ketcham e Norris, veja o livro Portrait of Obedience (Retrato de Obediência) por J. Murray Murdoch, pp 177 a 207.

(3) Harold H. Comings, Remaining True p. 32—tradução do autor.


Usado com permissão do autor.

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